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Cidadania italiana: quem é italiano de verdade?

Cidadania italiana17/01/2018

Olá!

Hoje eu gostaria de abrir uma discussão sobre um tema que circula cada vez mais nas comunidades de descendentes de italianos e de italianos já reconhecidos, na Itália ou fora dela.

Em tempos em que o número de imigrantes e refugiados na Europa cresce quase em progressão geométrica, surgem movimentos para discutir uma mudança profunda no conceito de quem pode ser reconhecido italiano.

Alguns movimentos de esquerda defendem que se insira na legislação italiana o conceito de ius solis (direito de solo) para a cidadania. O Partido Democrático (PD), legenda de centro-esquerda que possui maioria no parlamento e elegeu o Primeiro-Ministro, encabeçou no ano passado a mais recente medida nesse sentido.

De acordo com o projeto proposto, crianças nascidas na Itália com pais estrangeiros passariam a ter maior facilidade para serem reconhecidas italianas. Para isso, pelo menos um dos pais deveria ter sido residente legal em território italiano por pelo menos 5 anos. Haveria ainda uma prova de italiano e exigência de renda mínima.

Outra opção incluída com a mudança seria o ius culturae, que beneficiaria crianças filhas menores de idade, sempre filhas de estrangeiros, que tivessem entrado no território italiano antes de 12 anos ou tivessem nascido no próprio país, desde que tivessem frequentado as escolas italianas por pelo menos 5 anos.

A principal oposição a estas propostas vem das siglas de direita Lega Nord e Forza Italia, que defendem que o modelo atual continue em vigor.

Atualmente, para que uma pessoa nascida na Itália de pais estrangeiros seja reconhecida italiana, deverá completar 18 anos e não poderá ter residido em outro país até esta idade.

A proposta de mudança foi vitoriosa na Câmara em 2017, mas enfrentou mais resistência no Senado, onde a maioria governista não é tão grande. Com a dissolução do parlamento no fim de dezembro do ano passado e eleições previstas para 4 de março, a discussão ficou para a próxima candidatura.

Uma outra proposta de mudança na estrutura atual de transmissão de cidadania, por sua vez, mirava diretamente o ius sanguinis (direito de sangue), modelo atual de transmissão que declara que todo filho de italiano é também italiano, independente de local de nascimento.

Nascida como uma emenda para a atual Lei Orçamentária italiana, a proposta limitava até os netos a transmissão automática da cidadania, dando aos bisnetos a opção de requerer a cidadania após os 18 anos, desde que não esperassem mais do que 4 anos para fazê-lo.

O mais surpreendente é que a proposta veio justamente de um parlamentar italiano eleito fora do país, Claudio Micheloni, cujos eleitores estão concentrados na Suíça. Mais uma vez, um parlamentar do PD.

A emenda não sobreviveu por muito tempo, tendo sido removida antes da votação da referida lei. Antes de sua derrubada, porém, o jabuti gerou calorosas manifestações em diversos países, especialmente através das redes sociais.

Um dos principais questionamentos levantados pelos descendentes de italianos e das frentes contra as medidas citadas era quanto à motivação para que alguns partidos defendam constantemente a alteração no conceito de cidadania na Itália.

A inclusão do ius solis, por exemplo, é realmente uma medida humanitária para promover o reconhecimento de jovens plenamente adaptados aos valores italianos ou uma medida eleitoreira, que poderia fazer crescer o número de votantes para a maioria hoje no poder? Não seria questão de apenas modernizar os trâmites já hoje existentes para as crianças que nasceram e viveram na Itália até a maioridade?

O que isso tudo quer dizer?

O que deve ser percebido é que há constantemente um conflito entre dois movimentos diferentes. A primeira frente defende que italianos devem ser aqueles que possuem no sangue a herança do bel paese. Para outros, porém, a cidadania não deve estar atrelada ao sangue, mas sim ao quão inserido na cultura italiana um indivíduo está.

Há até mesmo aqueles que dizem que os descendentes (principalmente mirando seus olhos para a América Latina) não mais compartilham de quaisquer valores da Itália, nem mesmo a língua. Esta afirmação é extremamente injusta, pois há ainda hoje no Brasil um número incalculável de associações, grupos e escolas com vínculo direto com a terrinha dos antenati.

Além disso, antes de qualquer alteração na lei que abrange atualmente a transmissão da cidadania, é italiano todo filho de cidadão ou cidadã italiano.

É totalmente recomendável e enriquecedor que se busque estreitar os laços com a Itália. Aprender a língua de Dante proporciona o acesso a todo um mundo de cultura e história, além de facilitar o levantamento da história daqueles que vieram antes de você na família. Estes fatores, porém, jamais podem ser utilizados como diferenciadores para acesso a direitos estabelecidos em lei.

E você, o que acha de toda essa discussão? Acha que somente quem fala italiano ou conhece muito da cultura da Itália deveria ter a possibilidade de reconhecer a cidadania por descendência? Acha que é “menos italiano” quem não fala a língua oficial da Itália?

Arrivederci! 🙂

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Imagem de destaque:
Coliseu, em Roma. Photo by Mauricio Artieda on Unsplash.
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